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Joana

um mundo cheio de histórias para contar

Joana

um mundo cheio de histórias para contar

16
Set17

VIVER EM LONDRES | A minha vida em casas

Joana Santos

Prometi que vos contava a história das casas onde vivi durante os meus dois anos em Londres e vou cumprir. A verdade é que gosto de falar delas, porque cada uma significou uma etapa diferente e cada uma guarda uma parte da minha vida naquela cidade.

Antes mesmo de ter embarcado nesta aventura, já sabia qual seria o primeiro lugar onde ia parar. Encontrei uma casa perfeita, no bairro de Leytonstone, graças à ajuda preciosa da minha professora de yoga, a Marina. Ela conhece sempre alguém em alguma parte do mundo, graças às viagens que faz. Por isso, falou com uma amiga, a Jessica, também professora de yoga, que por sua vez falou com a Ros, uma senhora muito querida e extremamente preocupada com a natureza e o ambiente, que construiu uma casa sustentável e alugava os seus quartos no AirBnb. 

Quando conheci com a Ros e vi as fotografias daquela que ia ser, durante um mês a minha casa, fiquei mais do que encantada. A casa era enorme, cheia de sol, de janelas altas e ladeada por um quintal biológico. Para além da dona, só partilharia a casa com uma gata, chamada Kitty. 

No dia 30 de Junho de 2015, tremia quando abri aquela porta da Wallwood Road. Hoje, ainda me lembro do cheiro daquela casa, do sabor do pão de todos os pequenos-almoços e da primeira chuva que vi cair pela janela do quarto. 

 

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Na cozinha não entrava carne, o lixo orgânico era levado para a compostagem e à porta de casa deixava sempre os meus sapatos, para os trocar por uns chinelos felpudos que a Ros tinha sempre disponíveis. O meu lugar preferido era a sala: livros sobre permacultura, sobre economias circulares e medicina natural enchiam as estantes e havia sempre um chá quente para acompanhar as minhas tardes naquele lugar. 

Fiquei mais do que o tempo inicialmente combinado porque me sentia genuinamente bem ali: foi lá que aprendi a ter confiança para falar inglês, que comi o melhor crumble de framboesas e que me aventurei pela primeira vez no mundo do vegetarianismo. Foi a única casa que partilhei com alguém inglês.

De lá, depois de três viagens de ida e volta, cheia de sacos e comida a descongelar, mudei-me para Finsbury Park, mais concretamente para Moray Mews. Apaixonei-me pela casa assim que a vi: colorida, com um cheio a tarte de ruibarbo, gigante e com um quarto a mais para que pudesse trazer quantas visitas assim desejasse.

 

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Partilhei-a durante oito meses com um casal francês e foi nela que vivi os momentos mais surreais de toda a minha vida em Londres: o vidro do forno que explodiu, os alarmes de incêndio a dispararem sem razão, uma passagem de ano para a qual ainda não arranjei descrição possível. Foi também lá que recebi as primeiras visitas: a minha mãe, o meu pai, muitos amigos e até de uma pessoa que, embora não conhecesse, ficou por um mês, e tornou-se das mais importantes naquela cidade. 

Foi aqui que pude, pela primeira vez na vida, decorar o quarto ao meu gosto: cor de rosa e cinzento, com uma fita de luz por cima da cama. Foi também aqui que construí a minha primeira árvore de Natal longe de casa, que descobri o quão bons são ovos mexidos com torradas e que comecei a perceber que a Joana que tinha voado para Londres, munida de poucos planos e muitos sonhos, tinha crescido e construído para si própria um caminho feliz.  

 

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Às vezes, tenho saudades da chuva a cair no telhado e de adormecer a olhar para o céu, através das janelas no tecto por cima da minha cama. Às vezes, tenho saudades de ver os aviões a sobrevoarem o quarto e das dúvidas que a vida me trouxe naquela altura. Às vezes, tenho tantas saudades daqueles dias só porque, aquilo que se seguiu, foi a época mais feliz de toda a minha vida naquela cidade. E eu adorava vivê-la outra vez.

Num momento de incerteza, saí daquela casa e fiquei uma semana num estúdio duas ruas abaixo daquela. Foi o sítio mais estranho onde vivi: a casa era húmida, sem espaço para tudo aquilo que fui acumulando e cheirava a kebab, culpa de um café turco por baixo do prédio. Tenho muito poucas memórias dessa semana, mas recordo na perfeição o dia em que, de malas arrumadas, fechei a porta do número quatro de Fonthill Road e dei início a uma vida nova do outro lado da cidade. 

Dias antes, tinha conhecido o Gui e o André. O Gui é hoje o meu namorado e o André o nosso melhor amigo. Mas nem sempre foi assim. Em Janeiro do ano passado, eles eram perfeitos desconhecidos, numa cidade gigante, que abriram as portas da Amelia House, em Hammersmith, para tomar conta de mim: o Zé Sem-Abrigo, como carinhosamente me chamaram. Ajudaram-me a transportar duas malas de viagem e sacos infinitos numa viagem de 40 minutos entre o norte e o oeste de Londres. Sentado no banco do metro, o Gui calçou as minhas pantufas e eu percebi que, perto daqueles dois, tudo ia ficar bem.

Seguiram-se três semanas que vou guardar para sempre: sessões de cinema antes de adormecer, conversas sobre a vida pela noite fora, idas a Cardiff sem estar à espera, música e muitas horas passadas a rir por causa de uma ideia inovadora que consistia em abrir uma banca de limonada, chamada LemonHurst. Quis a vida que, no final de Fevereiro, regressasse a Portugal. Despedimo-nos os três, com um abraço gigante, na China Town. Não sabíamos quando nos voltaríamos a ver. 

A verdade é que voltei, para fazer uma surpresa ao André, no dia do seu aniversário, apenas um mês depois. Sentia-me verdadeiramente feliz naquela casa, que não era minha. Em Junho, mudei-me definitivamente: desta vez, com certezas e planos. 

 

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Passei uma semana a arranjar espaço para as minhas coisas no meio da vida de três rapazes. Tudo isto de forma muito clandestina; afinal de contas, a senhoria não sabia que, naquela casa, de decoração duvidosa, vivia uma rapariga.

Por essa razão, eu e o Gui decidimos procurar uma casa só para nós. Dela falei-vos aqui. Apaixonámo-nos por ela assim que abrimos a porta e foi lá que começámos a construir a nossa família: adoptámos o Oreo, comprámos as nossas primeira mobílias e decorámos a casa com muito amor. Festejámos o Halloween e vestimo-nos de cores natalícias. Demos-lhe até um nome: A Casa do Gato, e convidámos os amigos para a inauguração. 

  

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Dela guardo as noites a fazer bolos, o calor dos radiadores que teimavam em não desligar e a vizinha do rés-do-chão que cuscava as horas a que chegávamos das nossas saídas noturnas. 

Foi lá que tomámos decisões importantes para a nossa vida, como a de regressar a Portugal, e foi lá também que aprendemos a ser nós os dois, um com o outro. Hoje, sei que, se mudar outra vez, para outro lado qualquer já não mudo sozinha, mas com a melhor pessoa que Londres - e todas estas casas - me trouxe. O Gui. 

 

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